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segunda-feira, 2 de julho de 2007

Em dia de Seleção, trabalhadores de Cité Soleil reúnem-se com nossa delegação

Domingo foi mais um dia de acordar bem cedo. Saímos de Cap-Hatien em direção à capital Porto Príncipe. O objetivo era o de visitar a maior favela da cidade, a Cité Soleil (Cidade do Sol, em português).

Como na sexta (quando fizemos a viagem de ida), os buracos na estrada, as pessoas muito carentes e o sol forte estavam presentes. A correria é muito grande, principalmente para a equipe de comunicação da Conlutas, que cobre os passos da delegação, fotografa, entrevista, escreve textos e alimenta este blog. Hoje foi um dia recorde.

Para se ter uma idéia, como em Cap-Hatien não tínhamos acesso à internet, tive que postar o penúltimo post no andar de cima do restaurante onde comemos. Desnecessário mencionar em qual ritmo fizemos as duas coisas.

Antes de chegarmos a Cité Soleil, vimos vários tanques das tropas da ONU, com soldados com armas nas mãos e prontos para cumprirem sua dita “missão de paz”.

Cidade do Sol
Por volta das 16 horas, chegamos na entrada de Cité Soleil, lugar ainda mais pobre do que aqueles que havíamos visto. Participamos de um encontro organizado pela “Batalha Operária”, organização haitiana que nos recebe.

No local, 250 pessoas se espremiam para participar de uma reunião com os membros de nossa delegação. A sala da reunião estava completamente tomada, mesmo com o fato de o jogo da Seleção Brasileira, muito querida pelos haitianos, começar dali a poucos minutos.

No encontro, a delegação se apresentou, leu a “Carta ao Povo do Haiti” e reiterou a exigência pela retirada imediata das tropas brasileiras do país. Muitas mulheres e crianças estavam presentes. Estas últimas sempre com um olhar curioso em direção aos membros da delegação, sobretudo os brancos, que são notados com extrema facilidade num país em que a maioria absoluta da população é da raça negra.

Jogo do Brasil
Ainda sobre isso, notei que algumas pessoas me olhavam com certa desconfiança, sobretudo quando fui andar um pouco pelo bairro. Considero algo plenamente justificável, até porque são os soldados (em sua maioria, brancos) que invadem o local com carros blindados e espalham o terror contra a população local.

Talvez tenha sido apenas uma coincidência ou uma armadilha gerada pela falta de conhecimento da língua e costumes locais. No entanto, se for real a minha impressão, analiso que a repulsa às tropas estrangeiras no país é um sentimento que se solidifica entre os haitianos.

Na continuação do meu “passeio” pelo bairro, vi uma meia duzia de crianças jogando futebol no chão de terra. A poeira se levantava a cada drible dos meninos em busca do gol, cada qual demarcado com dois pedregulhos no chão.

Com um companheiro da “Batalha Operária”, entrei no quintal da casa de um morador que tinha televisão e energia elétrica (possivelmente, conseguida por meio de um gerador). Em outros posts, já havia mencionado que luz elétrica no Haiti é garantida só para os ricos.

O anfitrião recebia em seu quintal mais de trinta pessoas, que acompanhavam atentos aos lances da vitória do Brasil sobre o Chile, na Copa América. Os haitianos gostam muito do Brasil, torcem pela nossa seleção de futebol e são fãs de Ronaldinho e Kaká. É lamentável que justamente o país verde-e-amerelo seja quem comanda as tropas estrangeiras que os oprimem. Esperamos que este jogo vire logo.

(fotos: Rodrigo Correia)




A exploração sem limites nas “maquiladoras”

No sábado, dia 30, depois de visitarmos a “Cidadela”, fomos para uma reunião com 100 trabalhadores em Ouanaminthe, onde está localizada a primeira zona franca do Haiti. Conversamos com os trabalhadores sobre a nossa luta pela retirada das tropas brasileiras do seu país (propósito da viagem de nossa delegação) e sobre a exploração cruel a que eles são submetidos.

A criação de zonas francas faz parte de um plano que interessa muito às grandes potências e aos Estados Unidos. Nada menos que um total de 18 estão programadas para serem criadas. Nelas, estão instaladas as “maquiladoras”, empresas multinacionais que desfrutam de vários benefícios fiscais e exploram os trabalhadores de forma semelhante à escravidão.

A fábrica Codevi é um exemplo. Ela fabrica jeans para marcas famosas como a Levis e a Wrangler, e é parte de um conglomerado dominicano, o grupo M. Os operários recebem US$ 46 por mês e trabalham vigiados por capatazes armados, segundo a denúncia do sindicato.

Histórico de repressão
Logo no início da operação da fábrica, em 2003, foi organizado um sindicato para lutar contra estes abusos. A reação foi imediata, com a demissão dos 34 ativistas que organizavam a entidade. Uma greve de dois dias fez os patrões recuarem e admitirem os operários de volta, naquela que foi a primeira vitória na zona.

De imediato, 370 operários se filiaram ao sindicato. Menos de uma semana depois, a fábrica demitiu os 370, e se começou outra luta, de mais de um ano. Os trabalhadores fizeram greves e uma campanha internacional que chegou aos EUA. Uma aliança com estudantes universitários norte-americanos possibilitou um boicote aos jeans dessas marcas. Finalmente, a empresa teve de recuar e readmitir os operários.

Proibido se aproximar
Nossa delegação foi à portaria da maquiladora Codevi. Bom, pelo menos foi essa a tentativa, já que a segurança armada da empresa não permite a aproximação de “visitantes indesejados”, como nós.

Próximo à entrada da empresa, vimos cinco barracos de madeira, sem paredes, que são os locais nos quais os seis mil trabalhadores daquela fábrica se alimentam. Registre-se: alimentam-se com a comida trazida por eles próprios.

Atravessamos a ponte que dá acesso à fábrica. A ponte fica em cima de um rio. Não pudemos avançar muito porque logo nos deparamos com vigias armados que bloqueiam o portão da Codevi e olham com cara feia quem muito se aproxima.

“Essa é a explicação econômica de toda essa ocupação haitiana. As tropas estão aqui para garantir um plano econômico que inclui o biodiesel no campo e 18 zonas francas como essas. Querem aproveitar a mão de obra em condições de quase escravidão para produzir para o mercado dos EUA, pertinho de Miami”, disse Eduardo Almeida, membro da delegação e dirigente nacional do PSTU.

Ao sairmos da frente da fábrica, rumo a Cap-Hatien (nosso local de repouso naquela noite), tivemos de aguardar as águas do rio baixarem, já que uma ponte de Ouanaminthe estava tomada pelas águas. Na espera, somente a reflexão sobre o tamanho da exploração que sofrem aqueles trabalhadores. Algo profundamente desumano.

(fotos: Wladimir de Souza e Rodrigo Correia)